Então, e o senhor Reitor nunca foi praxado? Nunca sentiu na pele o escorrer do suor dum final de dia de praxe? Não me diga que nunca lhe deram um berro… Pois, grande sorte a sua! Menos sorte tive eu… E, era bem pequena. Foi a minha mãe. Não! Foi o meu pai. Bem, para dizer a verdade, não me lembro bem. Ralhavam comigo só porque fazia asneiras ou só porque não lhes obedecia. Pais maus, os meus! Numa coisa tenho que concordar consigo, senhor Reitor, há por aí pessoas a quem não se lhes devia dar, sequer, o direito de gritar de tão agudas que as suas vozes são. Essa, sim! Essa é a verdadeira tortura!
Mais lhe digo, malditas as flexões que fiz durante as aulas de educação física! Então não é que, as danadas, me ajudaram a fazer todas as que os meus engenheiros me mandaram fazer durante as praxes… Malditas! Malditas! Malditas! Não sei se sou a mesma depois disso...
Para que raio servem as praxes? Sim, senhor Reitor, para que raio servem as praxes? Tortura pura! Tortura imposta por uns quantos energúmenos que, só por terem mais matrículas do que os caloiros se acham superiores. Malvados! Só porque têm mais experiência, mais sabedoria, melhor conhecimento acerca das pedras desse caminho, a que se dá o nome de percurso académico, acham-se superiores… Malvados! Pois é, constou-me que, esses animais que andam por aí a praxar são capazes de coisas como colocar os caloiros em fila, dar-lhes a perceber que a vida é feita de hierarquias que às vezes os obrigam a engolir sapos, calar, olhar para o chão e não ter possibilidade de sair quando, na verdade, seria essa a sua vontade. Então, e quando os colocam a cantar em coro o hino de curso? Conseguem ser tão chatos que, mesmo quando já os caloiros o sabem de cor e salteado, são capazes de os obrigar a treinar outra vez. Estava a ver se me ocorria o nome a que se chama isso… Já sei! Persistência e perfecionismo. Malvados! Isso não se ensina a ninguém…
Continuo sem perceber para que servem as praxes… Os caloiros nem sequer se podem rir. Vá, se calhar podem. Riem-se e, lá são outra vez repreendidos. Eu, que sou eu, acho bem! É para aprenderem que, quando o assunto é sério, não se brinca. E, sejamos francos, o estudo é um caso sério. Para dizer a verdade, e aqui que ninguém nos ouve, o que mais falta neste país são pessoas assim. Pessoas incapazes de perceber que há situações na vida com as quais não se deve brincar, nem mesmo quando se está a brincar. Até para brincar, às vezes, é preciso ser-se sério.
Mas continuando com a temática em questão, para que servem as praxes, senhor Reitor? Não me explica? De verdade, sei pouco dessas coisas… até porque, só cheguei a cardeal. Calma! Calma! Calma! Pode parar já por aí. Não lhe admito que faça juízos de valor sobre a minha pessoa. Afinal de contas, o senhor não me conhece. Cheguei a cardeal porque sim. Do alto do seu cargo, já devia saber que vidas são vidas e que, as vidas não são todas iguais. De pessoa para pessoa, não acha que fazer pré-julgamento e preconceito está fora de moda? Valham-nos os praxantes e praxados de Design, Markting e Moda nesta questão! Ou serão os de Sociologia? Olhe, chame-se uns de Engenharia para ver se dão saída ao projecto destes Arquitetos. Mas, esteja descansado… Se alguém houver que não entenda esta língua, que os praxantes usam, temos sempre os caloiros de Línguas para nos safar. E, se não, nada que um de Enfermagem, em conjunto com um de Medicina, não esteja capaz de tratar. No final, o que tem que reinar é paz na academia.
O que os praxantes, no fundo, tentam retratar é o mundo cão que está para lá dos limites da nossa tão estimada academia. E, acautele-se, senhor Reitor, porque dias piores virão e, não falo de praxes. Falo-lhe do estado da economia mundial. Isto está negro. Tão negro quanto as capas que trajam os seus alunos. Esses alunos, digo, animais, que pagam propinas a cada ano que passa.
Temos que ser duros, senhor Reitor! Temos que ser duros… Diga-me, sinceramente, quem vai preparar estes jovens para os tempos que se avizinham? Os professores? Os pais, que teimam em levantar as suas vozes contra esses animais que praxam os seus filhos? Afinal, quem vai preparar os jovens para não caírem em estado depressivo de cada vez que lhe forem fechadas portas? Quem os prepara para a falta de auto-estima, de que vão sofrer, quando se aperceberem que um novo tipo de escravidão está por aí a instalar-se? Diga-me, senhor Reitor! Diga-me!
Está na praxe quem quer. Ninguém é obrigado a estar na praxe. Mas, também lhe digo, só saberá o quão interessante é passar por essa experiência quem, de facto, por ela passar.
Antes de terminar, senhor Reitor, deixe-me dizer-lhe o que eu apreendi ser a praxe. Praxe é uma forma de criar laços e de integração – que, quer se queira quer não, em cursos com elevado número de alunos a cada ano – ou vagas –, adicionando todos os outros que estão dispersos pelos anos seguintes, é complicado. Na praxe aprende-se a não desistir à primeira dificuldade, aprende-se a ser persistente, aprende-se a ser assertivo, aprende-se a cooperar, aprende-se a respeitar, aprende-se um conjunto de coisas que só com o decorrer de uma vida teríamos possibilidade de aprender, caso não passássemos por esta etapa. Praxantes há que, fazem questão de que os caloiros se dediquem a relembrar conceitos que, até então estavam guardados no baú de memórias que, lhes serão necessários no decorrer dos seus percursos académicos. Mas, mais do que tudo, a praxe serve para aprender a errar. E, com os erros aprende-se muito, senhor Reitor.
Senhor Reitor, a praxe serve para que os pais aprendam que os seus filhos já têm idade para levar pancada da vida, sem que eles tenham que sair em sua defesa. A praxe serve para que os caloiros sejam capazes de se desenvencilhar das mais diversas situações. A praxe serve para criar ratos. E, digo ratos no sentido de esperteza. Sabe, senhor Reitor, por mais que a escola nos ensine – e, ensina, com toda a certeza –, nada nos prepara melhor do que a escola da vida. E, veja lá que, a essa, nem sequer é preciso pagar propinas.
Nota final para descansar os pais mais preocupados: Ando na vida académica há 8 anos – não são meia dúzia de meses – e, NUNCA mas NUNCA ninguém me obrigou – ou eu obriguei enquanto praxante – ninguém a fumar ou a beber. Posso até garantir-lhes que quando saía à noite e os meus colegas me diziam para beber um copo, nunca o bebi. E, sabem porquê? Porque não bebo. Nunca me deixei levar por isso. Sabem porquê? Porque tenho as minhas convicções. Mas, isso, não se aprende na praxe. Revejam-se os valores familiares.
Publicado pela Tátia Mano em:
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